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Degustação: "O Italiano"

  • Foto do escritor: Spartacus Editora
    Spartacus Editora
  • 13 de mai. de 2019
  • 7 min de leitura


Confira degustação de "O Italiano", livro da autora M. Lins:


Melissa Ferraz

Quando desembarquei no aeroporto Leonardo da Vinci-Fiumicino, em Roma,

era como se tivesse acabado de pular e a forca estivesse apertando meu

pescoço. Tudo o que eu não queria era estar nesse lugar. Não me entenda

mal. Nada contra a Itália e as pessoas de sotaque perfeito e os homens lindos.

Adoro assistir a seleção italiana jogar, inclusive, mas eu preferia ficar na minha

terra que tanto amo. Acontece que o desejo do meu pai de criação era que,

caso ele, minha mãe ou tia faltassem — Que Deus os tenha em um bom lugar!

— e eu ainda fosse menor de idade, fosse morar no país europeu. Eu ainda

tinha 17 anos e, por isso, segundo os advogados desse homem que se auto

intitula meu tio, eu não poderia viver por mim mesma, o que significava ter viver

com um homem que nunca vi, nunca falei, e para ficar ainda pior, teria que

viver com meu irmão de criação, que não via há sete anos. Desde que ele se

mandou, assim que nossos país faleceram em um assalto. Eu bati o pé, pois

não queria ter que ir para a Itália, afinal, não me agradava em nada ter que

viver com esse irmão que não hesitou em ir embora durante uma fase tão

complicada.


Nunca tivemos uma boa relação. Ele era mais velho e pegava muito no meu

pé. Sempre estragava minhas bonecas e um dia até fez com que seu cachorro

matasse meu gato. Como conviver novamente com uma pessoa assim? Não era nada agradável!


Nessa época escolhi ficar com minha tia, irmã do meu pai de criação. Ela eu

considerava como se fosse minha mãe. Minha amada tia Simone morreu de

velhice e tudo que me restou foi atender ao desejo do homem que me criou.

No aeroporto, avistei um senhor aparentando ter cinquenta anos, que segurava

uma placa com meu nome. Por Deus! O que diabos tinha feito nas gerações anteriores para merecer aquilo? Dei um pequeno aceno para o homem, a fim de lhe mostrar que eu era a

Melissa, a pessoa por quem ele aguardava.


Eu estava nervosa! Afinal de contas eu mal falava o português e agora teria

que entender e falar italiano. Me sentia literalmente fodida. Eu estava ferrada

por malditos três meses. O senhor sorriu abertamente, de um jeito muito acolhedor comparado às pessoas que vinha lidando há dias, nada amigáveis, por assim dizer.


— Olá, senhorita Ferraz. Eu sou Carlos Pereira, o motorista designado para

conduzi-la até a mansão dos Marconni. — Por Deus! Soltei a respiração que

nem sabia que estava segurando. Ele falava minha língua.


— Oi. — Sorri de volta, com mais tranquilidade. — Podemos ir na hora que o

senhor achar melhor. Estou tão feliz que você fala português. Eu posso te

chamar de você, né?! Aliás, você pode me chamar pelo meu nome, ou melhor,

me chame de Mel. Todos me chamam assim em casa. Eu sei que você é uma

pessoa de idade, mas te chamar de senhor fica muito formal. Sério! Você é

uma das primeiras pessoas que, durante essa viagem, me trata como uma

pessoa e não como algum objeto que está sendo transportado. Aqueles

homens com suas gravatas e ternos sob medida, se achando os donos do

mundo... Por Deus! Eu não merecia tanto, sabe, seu Carlos?! Não quero ser

uma obrigação para ninguém. Nunca pedi para vir para cá. Sendo sincera, sem

querer ofender, a cidade é linda, mas eu estava muito bem em minha casa,

mesmo estando sozinha devido à ausência das pessoas que tanto amei.

Eu sei, estava tagarelando. Mas é que era o nervoso falando por mim, afinal,

cidade nova, idioma novo e por fim, uma "família" nova. Já tinha tudo em minha

cabeça. Seriam apenas três meses e depois eu poderia correr para bem longe

de tudo. O que poderia acontecer em um período tão curto? Passaria esse

tempo sem dar muita intimidade para as pessoas, porque me conhecendo,

sabia que me apegaria rápido e isso não seria necessário, então não teria que

me preocupar quando meu prazo de validade vencesse. O senhor Carlos

insistiu que eu sentasse no banco de trás do veículo, o que eu prontamente

recusei, claro. Por que eu iria atrás se podia conversar com ele no banco da

frente? Além disso, ele poderia me mostrar tudo o que Roma tinha a oferecer.


A cidade era linda! Minha nossa! Era tão movimenta quanto São Paulo. Eu ficava imaginando

como devia ser à noite, e se era tão badalada como São Paulo. Que saudade de todos. Da minha escola, dos vizinhos fofoqueiros, dos meus amigos... Já suspeitava que os três meses seriam como se fosse, na verdade, um ano. Não via a hora de tudo acabar. À meia noite do meu aniversário, quando já tivesse dezoito anos, minha parte da herança seria liberada, assim como foi com a parte do meu irmão. Compraria minha passagem e sairia tão rápido da casa, que nem mesmo o vento iria presenciar minha saída.


— Já estamos chegando, senhorita.


— Ah, cara, sério? Por favor, apenas Mel. Vamos ser grandes amigos, senhor

Carlos — disse e sorri. Não queria intimidade com ninguém, mas precisava de

aliados.


— Bom, Mel, o senhor Marconni não vai gostar que eu a trate dessa forma.

Precisamos ser profissionais e o patrão gosta que seja assim.


— Tudo bem — concordei. — Se quer manter as aparências, está certo. Mas

com o senhor Marconni longe, nada de senhorita Ferraz, ok?!


— Está bem, menina Melissa. Esse vai ser o nosso segredo. — Só então me

dei conta que, mesmo tendo um pouco do sotaque, Carlos não falava como um

legítimo italiano.


— Você não é daqui, né?


— Não, sou brasileiro. Mas saí de casa muito cedo — explicava Carlos. — Cedo o bastante para quase não lembrar de minha terra.


— Eu sou de São Paulo, capital e você?


— Eu sou do Sul, você conhece?


— Só ouvi falar, mas tenho vontade de conhecer. Um dia eu irei! Simplesmente

amo o sotaque gaúcho. É lindo e um lugar onde eu...


Minha linha de raciocínio foi quebrada quando o senhor Carlos puxou o carro

para o meio fio e entrou por grandes portões de ferro. Nossa, se eu achava que estava fodida, teria que confirmar que estava fodida em um grau que nem se desenhasse alguém seria capaz de entender! Além de ter que lidar com a morte da minha tia, uma cidade nova, um idioma novo e um cara que deseja que o chame pelo sobrenome, moraria em uma casa enorme. A impressão que dava era de que ele seria o velho mais ranzinza e esnobe que

se pode encontrar na terra. Quem viveria em uma casa tão grande? Eu provavelmente iria me perder dentro dela. Estaria lascada. Seriam os três piores meses imagináveis. Um velho ranzinza e um irmão de criação que sempre me odiou. Papai, muito obrigada... Por nada! Me perdi tanto nos pensamentos, que não vi que o senhor Carlos havia aberto a porta do carro.


— Senhorita Ferraz.


Peguei sua mão e recebi um aperto e um sorriso encorajador. Desci do carro

olhando tudo em volta, notando que o lugar era enorme e tinha segurança para

tudo que era lado. Eu moraria na casa de um velho ranzinza e esnobe, repeti o pensamento.

A sensação era de ter jogado pedra na cruz e depois sambado em cima. Senhor Carlos acenou, já com a mala na mão, então ajeitei minha mochila nas costas e o segui. Subimos a escada e logo a porta se abriu. Uma moça sorria para o senhor Carlos, enquanto eu estava muito sem graça. Alguém poderia abrir um buraco para eu entrar dentro? Adentramos a casa e Carlos me apresentou à simpática moça, Graziella. Ela pegou minha mala e fugiu dali o mais rápido possível, informando que o senhor Marconni havia dado uma saída, mas que não demoraria.


— Senhor Carlos, o Igor está em casa? — perguntei.


— Não, Mel, senhor Igor não mora mais nessa casa. Ele mora em um dos

hotéis do senhor Marconni.


— Entendi. Será que é muito abuso eu querer tomar um banho? A viagem foi

puxada, e já que o patrão não está em casa, eu poderia descansar um pouco.


— Claro, venha comigo. Irei te mostrar o seu quarto. Graziella arrumará suas

coisas.


Senhor Carlos saiu na minha frente e eu o segui, observando todo o lugar. Era

tudo grande, porém, muito elegante para a casa de um velho caquético e

ranzinza. A sala tinha um grande sofá preto, as janelas iam do chão ao teto

com elegantes cortinas, nas paredes havia alguns quadros e uma televisão que

parecia mais uma tela de cinema. Tinha também uma lareira em um canto, com

uma poltrona perto. Subimos a escada de madeira que dava em um corredor,

onde havia muitas portas, pelo menos cinco. Meu queixo caiu e rolou escada

abaixo. No meu interior, eu ainda não sabia o que estava fazendo em uma

casa assim. Isso só poderia ser algum tipo de castigo divino, pelas vezes que

mentia para minha santa tia.


Carlos abriu uma porta, me dando espaço para entrar. Era um quarto todo branco, com uma grande cama no centro e ao lado dela um criado mudo no qual acima havia um lindo abajur. Pude perceber duas portas, imaginando que uma, provavelmente, devia ser a do banheiro. Carlos chegou a sumir por uma das portas. Andei um pouco pelo cômodo, soltando a mochila no chão e sentando na grande cama que era macia e confortável. Carlos voltou com Graziella pouco tempo depois. Reparando melhor, apesar da expressão cansada e meio mal arrumada, Graziella era uma jovem que devia ter por volta de trinta anos no máximo.


— Senhorita. — Entortei a cabeça e fiz uma careta para Carlos, que sorriu. —

Mel, fique à vontade. Ali é o banheiro, que está abastecido com o que precisar.

Caso não esteja do seu agrado, fale com Graziella e ela deixará como você

achar melhor. Inclusive, já arrumou as coisas no closet — ele disse isso

apontando para a porta na qual havia entrado. — Ela vai ficar com você —

continuou. — Ela é tímida, mas fala sua língua. Não tanto quanto eu, mas o

bastante para vocês se comunicarem. Eu não estou sempre dentro da casa,

porém, pode me encontrar pelo quintal ou na garagem, se precisar de alguma

coisa. Graziella está sempre na cozinha ou nos aposentos dos empregados.

Depois que obtiver seu descanso, ela irá mostrar toda a residência. O senhor

Marconni provavelmente estará de volta a qualquer momento. Fique à vontade,

menina Melissa, e o que precisar estaremos à disposição.


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Equipe Spartacus.

 
 
 

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